Quando a Rússia anunciou a vacina Sputnik V em agosto de 2020, houve desconfiança em relação à rapidez da descoberta. Pensou-se que, assim como o satélite Sputnik, lançado de forma pioneira em 1957, esta seria uma iniciativa no sentido exclusivo de promover o regime de Vladimir Putin.
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Mas há diferenças. A Rússia já não é mais comunista e já não faz parte da União Soviética, em um mundo no qual, apesar de haver aqui e ali rastros da Guerra Fria, depende muito mais da cooperação do que do fechamento. Com o satélite Sputnik, por exemplo, o objetivo não era o intercâmbio de tecnologia.
Era apenas, por meio da movimentação de um satélite que analisava características da atmosfera, algo então apenas simbólico, mandar um recado às outras potências: a União Soviética descobrira fórmulas para encontrar propulsores capazes de, por exemplo, lançar ogivas nucleares.
Já a vacina Sputnik V, apesar de inicialmente ter sido envolta em mistérios em relação aos testes, tem dado mostras de que veio para contribuir com um intercâmbio de informações para o combate à pandemia e demonstrado uma eficácia até superior à de outras fabricantes, conforme afirma o infectologista argentino Hugo Pizzi, professor titular da Universidade de Córdoba e da Universidade la Rioja, e assessor dos governos de Córdoba e do próprio país em questões de saúde.
A experiência na Argentina, que tem utilizado a Sputnik V como carro-chefe de sua campanha de vacinação, iniciada no fim de dezembro, tem até superado as expectativas, segundo Pizzi.
A vacina foi produzida pelo Instituto Gamaleya (em homenagem a Nikolai Gamaleya, que estudou no laboratório do franceês Louis Pasteur), um dos mais respeitados no mundo, em relação a estudos de microbiologia.
“A ocorrência de efeitos adversos tem sido mínima. E o que tem sido visto como adverso é alguma dor no local da aplicação, alguma cefaleia ou febre que duraram apenas 12h e desapareceram imediatamente”, afirma o infectologista.
Até o último dia 9, 337.533 pessoas haviam recebido a primeira dose e 196.543, a segunda, conforme informou o governo federal.
Trata-se de uma quantidade bem inferior à do Brasil, país que, apesar dos problemas em relação à pandemia, sempre foi considerado vanguarda em termos de vacinação. No entanto, os primeiros resultados, segundo Pizzi, apontam resultados promissores em território argentino.
“Em relação à diminuição das transmissões a única coisa que sabemos até agora, porque foram poucas as doses colocadas, é que já temos toda a linha de profissionais da emergência e médicos totalmente imunizados”, ressalta o especialista.
Diferença com dois vetores
A própria qualidade da vacina começou a ser vista com mais interesse por parte da comunidade médica mundial. Afinal, diferentemente das outras, a Sputnik V atua por meio de dois vetores (trasnportadores de informações genéticas), um na primeira dose (Ad26) e outro na segunda (Ad5).
Cada um deles codifica de forma diferente a proteína S, que compõe o espinho do coronavírus, e o desconstrói de uma maneira mais completa. A Argentina também está iniciando a utilização de outras vacinas, como a da AstraZeneca e a Covax, mas, neste sentido, Pizzi considera que a contribuição da Sputnik pode ser mais efetiva.
“A prova evidente de que dois vetores distintos têm muito mais efetividade na formação de anticorpos é o fato de a vacina de Oxford ter alguns inconvenientes e haver já a intenção de se testar a união das duas vacinas para ver a qualidade e a quantidade de anticorpos que a de Oxford pode produzir com mais eficácia ainda”, destaca.
Pizzi conta que a fórmula do Instituto Gamaleya teve como base experiências anteriores.
“A experiência de usar dois vetores do Instituto Gamaleya vem de 2015 quando realizou duas vacinas muito exitosas, uma contra o ebola e outra que terminou com coronavírus que contaminava o Oriente Médio, transmitido por camelos e dromedários, que foi a vacina contra a MERS”, conta.
Aprovação das agências
Pizzi refuta a tese de que a Sputnik ainda esteja na terceira fase de testes. O fármaco já é uma realidade e, conforme ele ressaltou, uma grande prova está no artigo da revista The Lancet, que atestou a eficácia da vacina em 91,6%.
“A primeira dose da vacina Sputnik pode chegar em 15, 16 dias até 80% de formação de anticorpos. A ANMAT (Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica) da Argentina a aprovou, assim como muitas agências do mundo, por ser uma emergência internacional, mas já a vacina terminou toda a sua terceira fase e foi aprovada em todos os níveis com todos os resultados tendo sido publicados em uma revista de muito prestígio, a The Lancet, revista inglesa que nós médicos respeitamos muito e que fundamentalmente diz que se trata de uma vacina líder”, observa.
No fim de janeiro, a Anvisa negou o pedido enviado pela União Química (farmacêutica produtora da vacina no Brasil) e pelo RDIF (Fundo de Investimentos Diretos da Rússia), com o argumento de que o documento não cumpria “requisitos mínimos” para a aplicação emergencial das doses no Brasil.
Financiada em grande parte pelo Fundo Direto de Investimento Russo, ligado ao governo russo, a Sputnik foi aprovada em 15 países, entre eles Bielorrússia, Sérvia, Argélia, Índia, Emirados Árabes, Tunísia e Paquistão.
Já no último dia 3, a Anvisa retirou a exigência de pesquisa no Brasil, o que facilita a utilização da vacina Sputnik V. Apesar do passo, a Anvisa se mostra incomodada com a pressão para liberar a vacina e ainda não deu o aval. Pizzi, no entanto, não vê empecilho nenhum para a utilização da vacina. Ele inclusive foi vacinado com o fármaco.
“Estou convencido, por conhecer o Instituto Gamaleya e todos os seus dirigentes, de que é uma vacina absolutamente segura, 100%, da qual não se tem que ter nenhum tipo de medo e que está provando eficácia inclusive nos pais e nos avós, alguns de 95 anos. É uma vacina que não tem ocasionado nenhum tipo de transtorno, ao contrário, tem resultado de 91,6% na formação de anticorpos, algo inédito na história da Medicina”, completa.
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