Político pode perder cargo e ser preso por fura-filas
Corinna Kern/Reuters – 16.2.2021
Com o avanço da campanha de vacinação contra a covid-19 no país, aumentam as denúncias de fraudes na formação das filas e na aplicação dos imunizantes.
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Dois crimes ganharam até nome próprio neste ano: fura-fila e vacina de vento. No primeiro, pessoas, normalmente influentes na cidade ou parentes de políticos, conseguem se imunizar mesmo sem estarem nos grupos prioritários. No segundo, enfermeiros espetam o braço de brasileiros sem apertar a seringa.
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O professor de Direito e Processo Penal, Matheus Falivene, da PUC de Campinas, afirma que é preciso separar o tipo de delito para se saber a pena de quem finge aplicar a dose.
No caso da vacina de vento, explica ele, se a intenção for vender a dose ou reservá-la a outra pessoa, quem faz isso comete crime de peculado, artigo 312 do Código Penal, com possibilidade de ficar preso de 2 a 12 anos.
Peculato é a subtração ou desvio, por um servidor, de dinheiro, recursos ou um bem público para proveito próprio ou alheio.
A punição pode ser maior se não entrar a substância no organismo de uma pessoa que claramente corre mais riscos de morrer por causa dessa ação. “Aí se confirma o crime de periclitação da vida ou da saúde, que acontece com pessoas muito idosas ou com a saúde bastante debilitada.”
No caso de periclitação de vida, artigo 132 do Código Penal, soma-se à pena de peculato três meses a um ano de reclusão.
Em Niterói (RJ), uma técnica de enfermagem que aplicou uma seringa sem a vacina contra covid-19 em um idoso foi indiciada por peculato e crime sanitário, informou a Polícia Civil fluminense.
O crime sanitário, que também vale para cidadãos que não são funcionários públicos no caso dos fura-filas, está previsto no artigo 268 do Código Penal. O delito consiste em “infringir determinação do poder público, destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena é de um mês a um ano, além de multa.
Em Goiânia, foram registrados ao menos dois flagrante de técnicas em enfermagem que não injetaram o líquido da vacina em moradores de suas cidades. Nos dois casos, o produto só foi aplicado depois que as imagens foram analisadas e se confirmou que os idosos não foram imunizados. As profissionais de saúde foram afastadas e estão sendo investigadas pelo Ministério Público.
Amigos do prefeito
Falivene diz que a outra fraude comum nessa pandemia, dos furadores de fila, pode colocar na cadeia todos os envolvidos no crime, do político que pede para colocar parentes na frente dos grupos que mais precisam ser vacinados, o secretário de saúde que aceitou e mandou os também infratores enfermeiros fazerem o serviço e, por fim, os espertalhões que tomaram o lugar de outras pessoas.
“Nesse caso é peculado em parceria com o aplicador”, esclarece. A pena é a mesma das vacinas de vento: 2 a 12 anos.
Em Manaus, capital do Amazonas, a vacinação chegou a ser interrompida por causa das inúmeras denúncias de furadores. A prefeitura local exonerou sete médicos investigados pelo Ministério Público por estarem por trás da fraude.
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A Ouvidoria Nacional do Ministério Público informou na semana passada que recebeu 1.065 denúncias sobre casos de fura-fila na vacinação contra covid-19 em todo o país.
“Mas é bom fazer a ressalva que se foi um erro de cadastro, alguma falha humana, aí não se configura crime porque peculado obrigatoriamente é doloso (com má fé)”, diz o professor Matheus Falivene.
Ele diz que vender ou dar vacina a outra pessoa burlando a ordem estabelecida também é peculato, e o chefe dessa pessoa, o aplicador da vacina, também pode responder pelo mesmo ato caso fique comprovado que ele sabia do procedimento.
“No caso de prefeitos, eles podem ainda ter que responder pelo crime de responsabilidade, que pode levar à perda do mandato.”
Outro fato que eleva o tempo de cadeia em todas as ações ilegais é se ficar configurado que há um líder nessa quadrilha. Nesse caso, além do peculato, esse servidor pode ter um aumento de um sexto na pena.
Projeto no Congresso
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 11 de fevereiro o projeto de lei 25/21 que altera o Código Penal para aumentar a punição de que furam a fila de vacinação. Se a proposta passar pelo Senado, soma-se mais um crime além dos que o infrator já tinha que responder.
A pena acrescentada seria de um a três anos de prisão e seria aumentada em um terço se o agente falsificar atestado, declaração, certidão ou algum outro documento.
A pena aumenta em um terço até a metade se o funcionário público exige ou recebe, direta ou indiretamente, algum tipo de vantagem.