Estação da Luz tem registrado frequentes aglomerações durante a pandemia
Edson Lopes Jr./R7 – 15.04.2021
A superlotação do transporte coletivo paulista, registrada mesmo em meio à fase emergencial do Plano SP, é um dos principais desafios do combate à proliferação do novo coronavírus desde o início da pandemia. Diante disso, na semana do anúncio das restrições em São Paulo, em março, o governo do Estado voltou a recomendar o escalonamento de horários de setores econômicos para desafogar os horários de pico nos trens e ônibus da região metropolitana.
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A orientação, direcionada a três setores (comércio, serviços e indústria), não se mostrou suficiente, uma vez que as superlotações seguiram durante o restante do mês e na primeira metade de abril. Há setores, inclusive, que não acataram o pedido e outros alegam que sequer foram ouvidos pelo governo paulista. Autoridades como o próprio secretário dos Transportes, Alexandre Baldy, acreditam que a medida deveria ser obrigatória.
A reportagem do R7 procurou por representantes dos setores das atividades econômicas citadas na recomendação do governo João Doria (PSDB) e especialistas em saúde pública para avaliar se a medida foi bem recebida e se poderia mesmo diluir a quantidade de passageiros no transporte, evitando assim as aglomerações.
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Em comunicado oficial, o governo cita seis entidades – Apas, Anfavea, Fenabrave, FecomercioSP, Sinditextil, Abiplast – com as quais a medida foi discutida. No entanto, algumas delas somente repassaram a recomendação e uma, por exemplo, sequer tem funcionários que se utilizem de trens, ônibus ou Metrô.
Como os setores se posicionam
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), entidades que representam a indústria e o comércio em São Paulo, respectivamente, não receberam bem a medida proposta pelo governo.
A primeira alega que não foi ouvida pelo governo do Estado, que, segundo a federação, não teve competência para criar uma infraestrutura de transporte à altura da região metropolitana de São Paulo. “O decreto estadual não trouxe nenhum tipo de escalonamento de fato. Um escalonamento verdadeiro é fruto do diálogo com os setores. Para isso acontecer, é fundamental que os setores econômicos sejam envolvidos na discussão, o que não ocorreu”, diz a Fiesp em nota.
Já a Facesp, perguntada sobre a medida, não comentou especificamente sobre o escalonamento e destacou que o setor, sobretudo o “não essencial”, foi muito afetado pelas restrições às atividades econômicas em mais de um ano de pandemia.
“Desde o início da pandemia, o mais penalizado pelas restrições foi o comércio considerado não essencial. A contínua penalização do comércio “não essencial” está gerando danos irreparáveis para as empresas do setor”, escreve a federação, que argumenta ainda, sem apresentar dados científicos, que a atividade comercial não tem responsabilidade pelo aumento da contaminação.
A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), citada pelo governo paulista entre as seis entidades, também diz apoiar a medida. Porém, como escreve em nota, as empresas associadas utilizam “majoritariamente ônibus fretados para o transporte de seus funcionários”, o que significa que estes não utilizam o transporte coletivo e não afetariam de qualquer maneira as aglomerações em trens e ônibus
Entidades como a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), a Apas (Associação Paulista de Supermercados) e a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) apoiaram a recomendação e a repassaram para suas representadas.
A FecomercioSP comenta que já havia enviado, no ano passado, uma sugestão pelo escalonamento como forma de reduzir as aglomerações, e que, neste ano, com o agravamento da pandemia, pede apoio aos empresários “que puderem colaborar” a adotarem o escalonamento. A federação diz, em nota, que conta com a “contribuição voluntária dos empresários que puderem ajudar nesse sentido”.
A Apas afirma que orienta os supermercados da região metropolitana de São Paulo que escalonem a jornada de trabalho dos colaboradores e acredita que “atende a uma demanda importante do governo”, pois 56% dos colaboradores deste setor – 165 mil pessoas – estão diluídos entre os horários das 5h às 9h, que coincidem com os horários sugeridos pela gestão estadual aos trabalhadores da indústria e serviços.
Para o Sinditextil-SP (Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo), a recomendação é adequada, pois diminui a concentração de pessoas no transporte. “Claro que no caso das indústrias a situação é mais difícil porque existem turnos de trabalho. Depende da atividade de cada empresa, mas em empresas com atividades administrativas, a flexibilização é mais fácil de ser praticada. É uma das medidas necessárias no combate à pandemia e na preservação do distanciamento social”, comenta Luiz Arthur Pacheco, presidente do sindicato.
Especialistas se dividem
A medida do escalonamento para diluir os passageiros no transporte coletivo ao longo do dia divide especialistas de diferentes áreas da saúde ouvidos pela reportagem.
Médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Gonzalo Vecina Net, acredita que, garantindo que cada setor esteja em seus horários definidos, se trata de uma boa ideia.
“Poderia ajudar bastante a diminuir as aglomerações e, além de aumentar restrições econômicas ou um lockdown, não vejo outras saídas”, afirma Vecina, também fundador da Anvisa.
Marcelo Burattini, professor e infectologista da Universidade Federal de São Paulo, aponta que a medida é uma alternativa válida, pois “assim quebramos o horário de pico e reduzimos as aglomerações”.
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Marcos Vinícius da Silva, médico especialista em Saúde Pública e doutor em doenças infecciosas e parasitárias, afirma que a ideia não tem como dar certo. “Tem uma série de setores com turnos que não têm como mudar”, aponta.
Como solução específica ao transporte, ao menos para amenizar as aglomerações, Silva sugere que o governo e a prefeitura deveriam aumentar a frota de trens e ônibus, ampliar os horários dos locais de atendimento em empresas e diminuir o intervalo entre um e outro. “Assim se evitaria as aglomerações em horários de pico”, diz.
Governo de SP
O governo do Estado de São Paulo, perguntado sobre adotar a medida como obrigatória e se houve tratativa com os setores econômicos, respondeu em nota. Confira na íntegra:
O Governo de São Paulo reforça a recomendação ao escalonamento de horários de entrada dos trabalhadores para evitar aglomerações no transporte público e assim conter a disseminação do vírus. O Centro de Contingência indicou a medida como mais um elemento para reduzir o contato entre as pessoas e manter o distanciamento social, contribuindo assim para diminuir a transmissão do novo coronavírus.
Para isso, a medida foi negociada com entidades representantes de setores. Entre as entidades favoráveis às medidas estão: APAS, ANFAVEA, Fenabrave, Fercomercio, Sinditextil, ABIPLAST, entre outros. Para profissionais da indústria, os horários indicados são das 5h às 7h para entrada e das 14h às 16h para saída; para os de serviços, entrada das 7h às 9h e saída das 16h às 18h; e funcionários do comércio entrada das 9h às 11h e saída das 18h às 20h.
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos está com “Operação Monitorada” desde o início da pandemia e atua com avaliação sistemática a cada faixa de horário, para atender a necessidade do cidadão. Lembrando que o sistema de trilhos foi projetado e construído para transportar alto fluxo de pessoas da origem ao destino, aglomerado de pessoas em grandes escalas. Em março de 2020 a demanda chegou a cair 80% em relação a um dia normal e na semana passada – último dado disponível – a queda era de 61% na média entre as três empresas – Metrô, CPTM e EMTU. Antes da pandemia, as empresas transportavam juntas cerca de 10,5 milhões de passageiros por dia.