Reajustes não acompanham valores da inflação e são oferecidos em parcelas
Rovena Rosa / Agência Brasil

Profissionais de saúde do estado de São Paulo receberam propostas de reajustes salariais que vão acarretar a desvalorização de seu trabalho, segundo denúncia feita por sindicatos do setor ao R7. De modo geral, os aumentos não acompanham os valores da inflação e são oferecidos apenas em parcelas, fato considerado prejudicial às categorias.

Além dos valores apresentados, o parcelamento dos reajustes fará com que os salários cheguem ao montante final apenas no término do período da convenção coletiva. Isso significa que, a partir dessas propostas, os profissionais seriam remunerados com quantias abaixo do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – e ainda distantes do montante final – por meses, e com alta probabilidade de os valores já estarem defasados no encerramento do período.

Essas categorias são representadas por enfermeiros, auxiliares de enfermagem, médicos e agentes comunitários de saúde, entre trabalhadores de outras áreas, que temem a perda do poder de compra de seus salários com os possíveis reajustes oferecidos.

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Entre as entidades patronais que negociam as convenções estão o Governo do Estado de São Paulo e o Sindhosfil (Sindicato das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo) – este último, o mais citado por membros de diferentes sindicatos.

Em contato com a reportagem, Victor Vilela Dourado, presidente do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), criticou a postura dos patronais e explicou de que maneira os reajustes nessas condições prejudicam os profissionais.

“Falamos em perda salarial porque os preços dos itens básicos, como comida, gás e gasolina, cresceram num ritmo maior que o cálculo da inflação geral”, comentou. Na pandemia, acrescentou Dourado, houve um desastre na saúde pública brasileira, com uma alta quantidade de mortos entre profissionais da saúde, somada à subnotificação e às sequelas daqueles que sobreviveram.

“Além disso, boa parte dos médicos da linha de frente era PJ, sem proteção trabalhista. E é nesse contexto que a proposta do sindicato patronal ainda faz com que, na prática, os profissionais percam salário. Um reajuste abaixo da inflação para o período atual e só terminando em janeiro (caso do Simesp) é completamente absurdo. Se fosse de 10% e parcelado, ainda estaríamos perdendo. Com 6%, é uma retirada ainda maior”, afirma.

A situação – de reajustes abaixo da inflação e com aumentos parcelados – é similar à de outras categorias, como a dos enfermeiros e dos agentes comunitários de saúde, por exemplo.

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Em geral, as contrapropostas dos sindicatos pedem um valor que acompanhe a inflação e sem parcelamento. Sem a aprovação da maioria dos patronais, porém, a conclusão parece distante para ao menos cinco dos sete sindicatos com os quais o R7 entrou em contato (veja abaixo). Outros dois preferiram não divulgar mais detalhes para não prejudicar o avanço das negociações.

“A nossa proposta é não só de que o salário seja corrigido com base na inflação, para que não tenhamos perdas salariais, mas também de que consigamos algumas valorizações em meio a essa negociação”, explica Dourado.

No caso do Sindcomunitário (Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Estado de São Paulo), após negociações, a entidade conseguiu que a proposta patronal subisse para os 7,59% relativos à inflação na data-base da categoria. Porém, também sob parcelas.

“O que nos atrapalha é que estão insistindo em pagar somente em três parcelas, com a categoria recebendo integralmente os 7,59% em dezembro, o prazo da última parcela. E o sindicato ainda está na luta para que o pagamento seja à vista”, relatou um representante do Sindcomunitário.

Cláusulas sociais também seriam atingidas

Segundo os sindicatos, nas negociações, não foram apenas os valores dos reajustes que despertaram o incômodo nas categorias. As propostas para algumas das entidades de trabalhadores envolvem ainda o corte de cláusulas sociais, como a recusa ao pagamento de adicionais noturno e de insalubridade, e a redução do valor de horas extras e de benefícios como o auxílio-creche.

“A primeira resposta que eles deram foi negar todas as cláusulas sociais que a gente propôs. E as que já existem foram rediscutidas e rebaixadas. Negaram tudo – insalubridade, proteção aos quarteirizados –, e ainda querem mexer para baixo o valor das horas extras. É ofensiva a proposta patronal”, afirma Victor Dourado.

No caso do Seesp (Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo), as reclamações foram sobre propostas de redução de horas extras, adicionais noturnos e auxílio-creche.

A proposta para o Sindcomunitário não oferecia feriado da categoria nem adicionais para extrajornada.

Em contato com o R7, o Sindhosfil, entidade patronal que negocia com os três sindicatos citados acima, negou que vá retirar as cláusulas sociais já em vigência: “Em todas as negociações, minimante se preservam as cláusulas da convenção anterior e se negociam os reajustes econômicos”.

Acúmulo de funções, sobrecarga e exaustão

No contexto de desvalorização salarial, segundo os denunciantes, os profissionais de saúde passaram a acumular funções e até mais de um emprego.

Victor Dourado relata que os trabalhadores “vão buscando cada vez ter maiores jornadas e mais empregos, quando possível. Acontece com médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e profissionais de outras áreas. Isso acaba gerando uma sobrecarga de trabalho, porque só um trabalho deixa de ser suficiente para manter e sustentar a família”.

Entre as consequências da sobrecarga de trabalho, destaca Dourado, adoecimento e afastamento por burnout se tornaram mais comuns à medida que as jornadas se ampliaram.

Os agentes comunitários de saúde, por exemplo, começaram a assumir novas atribuições após a pandemia, auxiliando na vacinação em UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e outros postos, na busca ativa por pessoas que não tomaram a segunda dose dos imunizantes e no monitoramento da população assistida por Covid-19.

“Os profissionais estão ficando mentalmente doentes com tamanha pressão das OSS, pois muitos agentes fazem diversas atividades e ainda têm que atender áreas descobertas em que está faltando a contratação de agentes ou a reposição”, escreveram os trabalhadores em uma nota divulgada pelo Sindicomunitário.

No caso dos médicos, como ressalta Dourado, há outro agravante: o processo de “pejotização” dos profissionais, ou seja, a contratação deles como pessoas jurídicas, sem direitos trabalhistas.

“Isso abre para uma vulnerabilidade muito grande, com a falta de contratos de trabalho e segurança trabalhista. Em casos de acidente de trabalho ou doença, como a própria Covid, os profissionais vão ficar afastados sem nenhum tipo de proteção, sem remuneração. Muitos colegas meus que trabalhavam nesse processo de pejotização tiveram que ficar de 15 dias a um mês sem receber salários”, relata.

SindSaúde está sem proposta há dois anos

Outro caso que chama atenção é o do SindSaúde (Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo). Pagador único ao sindicato e responsável pelas negociações, o Governo do Estado de São Paulo não oferece nenhuma proposta de reajuste desde 2019, segundo informou a entidade de trabalhadores à reportagem.

O SindSaúde, que reúne categorias como médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, oficiais administrativos, oficiais de manutenção, motoristas e assistentes sociais, afirma que tem procurado contato com o governo e diretamente com o secretário da Saúde, Jean Gorinchteyn, mas ainda não obteve sucesso nas tentativas.

“Temos insistido com o Governo do Estado sobre a nossa pauta de reivindicações e queremos  uma audiência com o secretário, doutor Jean”, disse uma representante do SindSaúde à reportagem.

O R7 procurou o Governo do Estado para esclarecimentos a respeito dos interesses do sindicato. Em resposta, a Secretaria de Estado da Saúde afirmou que “realiza reuniões rotineiras com os representantes do sindicato, que foram inclusive recebidos pelo secretário executivo e pela coordenação de Recursos Humanos da Pasta em diversas ocasiões”.

A Pasta, no entanto, não comentou a situação de não ter oferecido propostas desde o ano retrasado.

Qual é o contexto de cada categoria

A reportagem solicitou a cada um dos sete sindicatos a atual situação de negociações de reajustes salariais.

Simesp

A contraproposta do patronal (Sindhosfil) para o reajuste salarial foi de 6%, concedido em duas parcelas:

– A partir de 1º/9/2021, correção de 3% sobre os salários de agosto de 2021;– A partir de 1º/1/2022, correção de 6% sobre os salários de agosto de 2021.

As propostas de outros patronais ainda serão feitas nas próximas semanas.

Seesp (Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo)

Sindhosfil Vale do Paraíba
A) Cláusulas econômicas
Cláusula 1ª – Reajuste salarial:
Fica estabelecido o reajuste salarial total de 5% (cinco por cento), a ser dividido em duas parcelas, da seguinte forma:
a) reajuste salarial de 3% (três por cento), a incidir sobre os salários de agosto/2021, a serem pagos a partir de 1º de setembro de 2021; e,
b) reajuste salarial de 5% (cinco por cento), a incidir sobre os salários de agosto/2021, a serem pagos a partir de 1º de dezembro de 2021.
Parágrafo 1º – Serão compensadas todas as antecipações legais, convencionais ou espontâneas concedidas entre 1º/9/2020 e 31/8/2021, conforme a Instrução Normativa nº 1 do C. TST, excluídos os aumentos decorrentes de promoção, transferência, vantagem pessoal ou equiparação salarial.
Rejeitado pelo Seesp
Sindhosfil SP reajuste de 6%, sendo 3% em setembro e 3% em janeiro
Rejeitado pelo Seesp

Sindcomunitário

Reajuste de 7,59% em três parcelas: 3% em maio; 2% em setembro; e 2,59% em dezembro.
1º de maio: R$ 1.674; 1º de setembro: R$ 1.706,95; 1º de dezembro: R$ 1.749,06.
Auxílio-creche 7,59%: R$ 262,17; VR 7,59%: R$ 26,52 por dia trabalhado ao mês; VA 7,59%: R$ 138,78.
Manutenção da CCT vigente. Sem feriado da categoria, sem banco de horas dobrado.
Reivindicação do sindicato: 7,59% em uma única parcela, a partir de 1º de maio (R$ 1.749,06); auxílio-creche: R$ 300; VR: R$ 30 por dia trabalhado, equivalente de R$ 630 a R$ 660 por mês; VA: R$ 200. Feriado da categoria e banco de horas dobrado.

SinFar (Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo)

Até o fechamento do texto, o SinFar não havia enviado a relação de suas convenções. Mas, em contato com o R7, a presidente do sindicato, Renata Gonçalves, declarou que somente duas das dez convenções estão concluídas. Ambas com valor relativo ao INPC, uma delas em parcelas.

“Das nossas convenções, a tendência é o parcelamento. A maioria até atinge o INPC, mas com parcelamento. Então o trabalhador leva prejuízo”, disse Gonçalves.

Entre as convenções restantes em negociação, há, por exemplo, uma proposta pendente na qual o patronal ofereceu o reajuste abaixo da inflação e se recusou a negociar valores mais altos.

Dez propostas (a maioria delas está encaminhada no valor do INPC, mas em parcelas, o que também prejudica os trabalhadores).

SindSaúde

Sem propostas desde 2019.

SindiNutri (Sindicato dos Nutricionistas do Estado de São Paulo)

Para não prejudicar as negociações, que ainda não foram concluídas, o sindicato não quis divulgar detalhes.

SinPsi (Sindicato dos Psicólogos de São Paulo)

No total, são oito convenções. No momento, segundo o sindicato, a maioria das negociações ainda não começou – a proposta do Sinhosfil está abaixo da inflação –, e as atuais convenções seguem em vigência.

Posicionamento

O Sindhosfil, patronal citado por sindicatos procurados pela reportagem, respondeu a respeito dos reajustes abaixo da inflação e oferecidos em parcelas.

“O cenário econômico neste exercício é difícil, pois as instuições filantrópicas elaboraram suas previsões orçamentárias para o ano seguinte com perspectivas de sobrevivência, haja vista a característica do segmento, que depende da tabela do SUS que não é reajustada há muitos anos. Nesse contexto, as propostas previstas foram de 3% a 4% de impacto em folha de pagamento. Contudo a evolução do INPC foi assustadora e nas convenções majoritários de maio/22 o índice chegou a 7,59%.

As demandas dos profissionais são expressas por suas categorias, e o mesmo ocorre com o seguimento econômico/patronal, que deve negociar reajustes que sejam factíveis e que não possam induzir ao corte de mão de obra, tendo em vista a síndrome de desemprego que assola o país e principalmente a questão da prestação de serviços de saúde para a sobrevivência desses equipamentos.

No momento, a data-base de setembro/22 está toda em negociações, sendo certo que algumas já foram fechadas. As deliberações de propostas são aprovadas por assembleias das entidades que, com base nas análises da maioria, aprovam propostas de reajustes a ser encaminhadas aos profissionais.”

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